quinta-feira, 11 de abril de 2013

Capítulo 4: Seleção de texto


A Teoria da Ação Antidialógica:*
       A tão conhecida afirmação de Lênin: Sem teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário” significa precisamente que não há revolução com verbalismos, nem tão pouco com ativismo, mas com práxis, portanto com reflexão e ação incidindo sobre as estruturas a serem transformadas. (Práxis: em seu sentido amplo é a atividade humana em sociedade e na natureza.)
       O esforço revolucionário de transformação radical destas estruturas não pode ter, na liderança, homens do quefazer (seu fazer é ação e reflexão) e nas massas oprimidas, homens reduzidos ao puro fazer. Pág. 168 – par. 6 e 7.
          Se uma liderança revolucionária, encarnando, desta forma, uma visão humanista – de um humanismo concreto e não abstrato - , pode ter dificuldades e problemas, muito maiores dificuldades e problemas terá ao tentar, por mais bem-intencionada que seja, fazer a revolução para as massas oprimidas. Isto é fazer uma revolução em que o com as massas é substituído pelo sem elas, porque trazidas ao processo através dos mesmos métodos e procedimentos usados para oprimi-las. Pág. 171 – par.28
        Estamos convencidos de que o diálogo com as massas populares é uma exigência radical de toda revolução autêntica. Pág. 172 – par. 29.
          O diálogo com as massas não é concessão, nem presente, nem muito menos uma tática a ser usada, como o sloganização o é, para dominar. O diálogo, como encontro dos homens para a “pronuncia” do mundo, é uma condição fundamental para a sua real humanização. Pág. 184 – par. 91
       Se “uma ação livre somente o é na medida em que o homem transforma seu mundo e a si mesmo, se uma condição positiva para a liberdade é o despertar das possibilidades criadoras humanas, se a luta por uma sociedade livre não o é a menos que, através dela, seja criado um sempre maior grau de liberdade individual” se há de reconhecer ao processo revolucionário o seu caráter eminentemente pedagógico.
           De uma pedagogia problematizante e não de uma “pedagogia” dos “depósitos”, “bancária”. Por isto é que o caminho da revolução é o da abertura às massas populares, não o do fechamento a elas. É o da convivência com elas, não o da desconfiança delas. Pág. 185 – par. 92

A Teoria da Ação Antidialógica e suas carcterísticas: A conquista, Dividir para manter a opressão, A manipulação e a Invasão Cultural

Conquista:
        O antidialógico, dominador, nas sua relações com o seu contrário o que pretende é conquistá-lo, cada vez mais, atráves de mil formas. Das mais duras às mais sutis. Das mais repressivas às mais adocicadas, como o paternalismo. Pág. 185 – par. 92
      O desejo de conquista, talvez mais que o desejo, a necessidade da conquista, acompanha a ação antidialógica em todos os seus momentos. Pág. 187 – par. 8
         Através dela e para todos os fins implícitos na opressão, os opressores se esforçam por matar nos homens a sua condição  de “ad-miradores” do mundo. Como não podem consegui-lo, em termos totais, é preciso, então mitificar o mundo. Pág. 187 – par. 9
        A falsa “ad-miração” não pode conduzir à verdadeira práxis, pois que é pura espectação das massas, que pela conquista, os opressores buscam obter por todos os meios. Massas conquistadas, massas espectadoras, passivas, gregarizadas. Por tudo isto, massas alienadas. Pág. 187 e 188 – par. 11

Dividir para manter a opressão:
Na medida em que as minorias, submetendo as maiorias a seu domínio, as oprimem, dividi-las e mantê-las divididas são condição indispensável à continuidade de seu poder. Pág. 190 – par. 02
Daí que toda ação que possa, mesmo incipientemente, proporcionar às classes oprimidas o despertar para que se unam é imediatamente freada pelos opressores através de métodos, inclusive, fisicamente violentos.
Conceitos, como os de união, de organização, de luta, são timbrados, sem demora, como perigosos. E realmente  o são, mas para os opressores. É que a praticização destes conceitos é indispensável à ação libertadora.
 Pág. 190 – par. 04 e 05
Manipulação:
Através da manipulação, as elites dominadoras vão tentando conformar as massas populares a seus objetivos. E, quanto mais imaturas, politicamente, estejam elas (rurais ou urbanas), tanto mais facilmente se deixam manipular pelas elites dominadoras que não podem querer que se esgote seu poder. Pág. 198 – par. 02
A manipulação, na teoria da ação antidialógica, tal como a conquista a que serve, tem de anestesiar as massas populares para que não pensem. Pág. 200 – par. 17
Invasão cultural:
Desrespeitando as potencialidades do ser a que condiciona, a invasão cultural é a penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão do mundo, enquanto lhes freiam a criatividade, ao inibirem sua expanção.
Neste sentido, a invasão cultural, indiscutivelmente alienante, realizada maciamente ou não, é sempre uma violência ao ser da cultura invadida, que perde sua originalidade ou se vê ameaçado de perdê-la. Pág. 205 – par. 02 e 03
O que distingue a liderança revolucionária da elite dominadora não são apenas seus objetivos, mas o seu modo de atuar distinto. Se atuam igualmente os objetivos se identificam.
Por esta razão é que afirmamos antes ser tão paradoxal que a elite dominadora problematize as relações homens-mundo aos oprimidos, quanto o é que a liderança revolucionária não o faça. Pág. 226 – par. 138 e 139

* elaborado por Márcia




CO-LABORAÇÃO* 

... na teoria dialógica da ação, os sujeitos se encontram para a transformação do mundo em co-laboração. 
Não há, portanto, na teoria dialógica da ação, um sujeito que domina pela conquista e um objeto dominado. Em lugar disto, há sujeitos que se encontram para a pronúncia do mundo, para a sua transformação. 
Isto não significa que, no quefazer dialógico, não haja lugar para a liderança revolucionária. 
Significa, apenas, que a liderança não é proprietária das massas populares... 
A importância de seu papel, contudo, não lhe dá o direito de comandar as massas populares, cegamente, para a sua libertação. (Freire,  2011, p. 227). 

A co-laboração, como característica da ação dialógica, que não pode dar-se a não ser entre sujeitos, ainda que tenham níveis distintos de função, portanto, de responsabilidade, somente pode realizar-se na comunicação. 
O diálogo, que é sempre comunicação, funda a co-laboração. 
A liderança revolucionária, comprometida com as massas oprimidas, tem um compromisso com a liberdade. E, precisamente porque o seu compromisso é com as massas oprimidas, para que se libertem, não podendo conquistá-las, mas conseguir sua adesão para a libertação.(Freire, 2011, p.228). 
... na co-laboração, exigida pela teoria dialógica da ação, os sujeitos dialógicos se voltam sobre a realidade mediatizadora que, problematizada, os desafia. 
Problematizar, porém, não é sloganizar, é exercer uma análise crítica sobre a realidade problema. 
...a teoria dialógica exige o desvelamento do mundo. 
...sua demitificação. 
...ninguém desvela o mundo ao outro ...é preciso que estes se tornem sujeitos do ato de desvelar. (Freire, 2011, p. 229). 

A confiança das massas na liderança implica a confiança que esta tenha nelas. 
A liderança há de confiar nas potencialidades das massas a quem não pode tratar como objetos de sua ação. Há de confiar em que elas são capazes de se empenhar na busca de sua libertação, mas há de desconfiar,... 
Desconfiar dos homens oprimidos, não é, propriamente, desconfiar neles enquanto homens, mas desconfiar do opressor “hospedado” neles. 
Desta maneira, quando Guevara chama a atenção ao revolucionário para a ”necessidade de desconfiar sempre - desconfiar do camponês que adere, do guia que indica os caminhos, desconfiar até de sua sombra", não esta rompendo a condição fundamental da teoria da ação dialógica. Está apenas sendo realista. (Freire, 2011, p. 230). 

...Guevara enfatiza a comunhão com o povo como era o momento decisivo para a transformação do que era uma “decisão espontânea e algo lírica, em uma força de distinto valor e mais serena”.  E explicita que, a partir daquela comunhão, os camponeses, ainda que não o percebessem, se fizeram “forjadores” de sua “ideologia revolucionária”. 
...foram exatamente humildade e a sua capacidade de amar que possibilitaram a sua “comunhão” com o povo. E esta comunhão, indubitavelmente dialógica, se fez co-laboração.(Freire, 2011, p.232). 
A comunhão provoca a co-laboração que leva liderança e massas áquela fusão a que se refere o grande líder recentemente desaparecido. Fusão que só existe se a ação revolucionária é realmente humana, por isto, simpática, amorosa, comunicante, humilde, para ser libertadora. 
A revolução é biófila, é criadora de vida, ainda que, para criá-la, seja obrigada a deter vidas que proíbem a vida. (Freire, 2011, p. 232). 



Unir para a libertação 
...a liderança se obriga ao esforço incansável da união dos oprimidos entre si, e deles com ela, para a libertação.(Freire, 2011, p.234). 
O problema central que se tem nesta, como em qualquer das categorias da ação dialógica, é que nenhuma delas se dá fora da práxis. 
...Enquanto que, para a elite dominadora, a sua unidade interna, que lhe reforça e organiza o poder, implica a divisão das massas populares, para a liderança revolucionária, a sua unidade só existe na unidade das massas entre si e com ela. (Freire, 2011, p. 235). 

O objetivo da ação dialógica está,... em proporcionar que os oprimidos, reconhecendo o porque e o como de sua “aderência”, exerçam um ato de adesão a práxis verdadeira de transformação da realidade injusta. 
Significando a união dos oprimidos, a relação solidária entre eles não importam os níveis reais em que se encontrem como oprimidos, implica também, indiscutivelmente,  consciência de classe. (Freire, 2011, p. 237). 
            A união dos oprimidos é um quefazer que se dá no domínio do humano e não no das coisas.(Freire, 2011, p238). 

Para que os oprimidos se unam entre si, é preciso que cortem o cordão umbilical, de caráter mágico e mítico, através do qual se encontram ligados ao mundo da opressão. 
Esta é a razão por que, realmente indispensável ao processo revolucionário, a união dos oprimidos exige deste processo que ela seja, desde seu começo, o que deve ser: ação cultural. 
Ação cultural, cuja prática para conseguir a unidade dos oprimidos vai depender da experiência história e existencial que eles estejam tendo, nesta ou naquela estrutura. 
As formas de ação cultural, em situações distintas como estas, têm, contudo, o mesmo objetivo: aclarar aos oprimidos a situação objetiva em que estão, que é mediatizadora entre eles e os opressores, visível ou não. (Freire, 2011, p. 239). 

Organização 
A organização não apenas está diretamente ligada á sua unidade, mas é um desdobramento natural desta unidade das massas populares.(Freire, 2100, p.240). 
O testemunho, na teoria dialógica da ação, é uma das conotações principais do caráter cultural e pedagógico da revolução. 
Todo testemunho autentico, por isto crítico, implica ousadia de correr riscos – um deles, o de nem sempre a liderança conseguir de imediato, das massas populares, a adesão esperada. (Freire, 2011, p. 241). 

...É que, na medida em que o testemunho não é um gesto no ar, mas uma ação, um enfrentamento, com o mundo e com os homens, não é estático. É algo dinâmico, que passa a fazer parte da totalidade do contexto da sociedade em que se deu. 
...Assim como, na ação anti-dialógica, a manipulação serve à conquista, na dialógica, o testemunho, ousado e amoroso, serve à organização. Esta, por sua vez, não apenas está ligada à união das massas populares como é um desdobramento natural desta união. 
Por isto é que afirmamos: ao buscar a união, a liderança já busca, igualmente, a organização das massas populares.9Freire, 2011, p.242). 
É verdade que, sem liderança, sem disciplina, sem ordem, sem decisão, sem objetivos, sem tarefas e cumprir e contas a prestar, não há organização e, sem esta, se dilui a ação revolucionária. Nada disso, contudo, justifica o manejo das massas populares, a sua “coisificação”. (Freire, 2011, p. 243). 

A teoria dialógica da ação nega o autoritarismo como nega a licenciosidade. E, ao fazê-lo, afirma a autoridade e a liberdade. 
Reconhece que, se não há liberdade sem autoridade, não há também esta sem aquela.(Freire, 2011, p.244). 
Na teoria da ação dialógica, portanto, a organização, implicando autoridade, não pode ser autoritária; implicando liberdade, não pode ser licenciosa. 

Síntese Cultural 
A ação cultural ou está a serviço da dominação – consciente ou inconscientemente por parte de seus agentes – ou está a serviço de libertação dos homens.  (Freire, 2011, p. 245). 
O que pretende a ação cultural dialógica,...ão pode ser o desaparecimento da dialeticidade permanência-mudança ( o que seria impossível, pois que tal desaparecimento implicaria o desaparecimento da estrutura social mesma e o desta, no dos homens) mas superar as contradições antagônicas de que resulte a libertação dos homens.(Freire, 2011, p.246). 
...Na síntese cultural, onde não há expectadores, a realidade a ser transformada para a libertação dos homens é a incidência da ação dos atores. 
Isto implica que a síntese cultura é a modalidade de ação com que, culturalmente, se fará frente à força da própria cultura, enquanto mantenedora das estruturas em que se forma. (Freire,2011, p. 247). 

Neste sentido é que toda revolução, se autentica, tem de ser também revolução cultural. 
A investigação dos temas geradores ou da temática significativa do povo, tendo como objetivo fundamental a captação dos seus temas básicos, só a partir de cujo conhecimento é possível a organização do conteúdo programático para qualquer ação com ele, se instaura como ponto de partida do processo da ação, como síntese cultural. 
Daí que seja possível dividir, em dois, os momentos deste processo: o da investigação temática e o da ação como síntese cultural. 
Deste modo, esta separação ingênua significaria que a ação, como síntese, partiria da ação como invasão.(Freire, 2011, p.248). 
Como, na síntese cultural, não há invasores, não há modelos impostos, os atores, fazendo da realidade do objeto de sua análise crítica, jamais dicotomizada da ação, se vão inserindo no processo histórico, como sujeitos. 
A síntese cultural não nega as diferenças entre uma visão e outra, pelo contrário, se funda nelas. O que ele nega é a invasão de uma pela outra. O que ela afirma é o indiscutível subsídio que uma dá à outra. (Freire, 2011, p. 249). 

Todo o nosso esforço neste ensaio foi falar desta coisa óbvia: assim como o opressor, para oprimir, precisa de uma teoria da ação opressora, os oprimidos, para se libertarem, igualmente necessitam de uma teoria de ação. 
O opressor elabora a teoria de sua ação necessariamente sem o povo, pois que é contra ele. 
O povo, por sua vez, enquanto esmagado e oprimido, introjetando o opressor, não pode, sozinho, constituir a teoria de sua ação libertadora. Somente no encontro dele com a liderança revolucionária, na comunhão de ambos, na práxis de ambos, é que esta teoria se faz e se re-faz. (Freire, 2011, p.252). 

*elaborado por Janir Colombari 

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