A Teoria da Ação Antidialógica:*
A tão
conhecida afirmação de Lênin: Sem teoria revolucionária não pode haver
movimento revolucionário” significa precisamente que não há revolução com
verbalismos, nem tão pouco com ativismo, mas com práxis, portanto com reflexão
e ação incidindo sobre as estruturas a serem transformadas. (Práxis: em seu
sentido amplo é a atividade humana em sociedade e na natureza.)
O
esforço revolucionário de transformação radical destas estruturas não pode ter,
na liderança, homens do quefazer (seu fazer é ação e reflexão) e nas
massas oprimidas, homens reduzidos ao puro fazer. Pág. 168 – par. 6 e 7.
Se uma liderança revolucionária, encarnando, desta forma, uma visão
humanista – de um humanismo concreto e não abstrato - , pode ter dificuldades e
problemas, muito maiores dificuldades e problemas terá ao tentar, por mais
bem-intencionada que seja, fazer a revolução para as massas oprimidas. Isto é
fazer uma revolução em que o com as massas é substituído pelo sem elas,
porque trazidas ao processo através dos mesmos métodos e procedimentos
usados para oprimi-las. Pág. 171 – par.28
Estamos convencidos de que o diálogo com as massas populares é uma
exigência radical de toda revolução autêntica. Pág. 172 – par. 29.
O
diálogo com as massas não é concessão, nem presente, nem muito menos uma tática
a ser usada, como o sloganização o é, para dominar. O diálogo, como encontro
dos homens para a “pronuncia” do mundo, é uma condição fundamental para a sua
real humanização. Pág. 184 – par. 91
Se
“uma ação livre somente o é na medida em que o homem transforma seu mundo e a
si mesmo, se uma condição positiva para a liberdade é o despertar das
possibilidades criadoras humanas, se a luta por uma sociedade livre não o é a
menos que, através dela, seja criado um sempre maior grau de liberdade
individual” se há de reconhecer ao processo revolucionário o seu caráter
eminentemente pedagógico.
De uma pedagogia
problematizante e não de uma “pedagogia” dos “depósitos”, “bancária”. Por isto
é que o caminho da revolução é o da abertura às massas populares, não o do
fechamento a elas. É o da convivência com elas, não o da desconfiança delas.
Pág. 185 – par. 92
A Teoria da
Ação Antidialógica e suas carcterísticas: A conquista, Dividir para manter a
opressão, A manipulação e a Invasão Cultural
Conquista:
O
antidialógico, dominador, nas sua relações com o seu contrário o que pretende é
conquistá-lo, cada vez mais, atráves de mil formas. Das mais duras às mais
sutis. Das mais repressivas às mais adocicadas, como o paternalismo. Pág. 185 –
par. 92
O
desejo de conquista, talvez mais que o desejo, a necessidade da conquista,
acompanha a ação antidialógica em todos os seus momentos. Pág. 187 – par. 8
Através dela e para todos os fins implícitos
na opressão, os opressores se esforçam por matar nos homens a sua condição de “ad-miradores” do mundo. Como não podem
consegui-lo, em termos totais, é preciso, então mitificar o mundo. Pág. 187 –
par. 9
A falsa “ad-miração” não pode conduzir à
verdadeira práxis, pois que é pura espectação das massas, que pela conquista,
os opressores buscam obter por todos os meios. Massas conquistadas, massas
espectadoras, passivas, gregarizadas. Por tudo isto, massas alienadas. Pág. 187
e 188 – par. 11
Dividir para manter a opressão:
Na medida em que as minorias, submetendo as
maiorias a seu domínio, as oprimem, dividi-las e mantê-las divididas são
condição indispensável à continuidade de seu poder. Pág. 190 – par. 02
Daí que toda ação que possa, mesmo
incipientemente, proporcionar às classes oprimidas o despertar para que se unam
é imediatamente freada pelos opressores através de métodos, inclusive,
fisicamente violentos.
Conceitos, como os de união, de organização, de
luta, são timbrados, sem demora, como perigosos. E realmente o são, mas para os opressores. É que a
praticização destes conceitos é indispensável à ação libertadora.
Pág. 190 –
par. 04 e 05
Manipulação:
Através da manipulação, as elites dominadoras vão
tentando conformar as massas populares a seus objetivos. E, quanto mais
imaturas, politicamente, estejam elas (rurais ou urbanas), tanto mais
facilmente se deixam manipular pelas elites dominadoras que não podem querer
que se esgote seu poder. Pág. 198 – par. 02
A manipulação, na teoria da ação antidialógica,
tal como a conquista a que serve, tem de anestesiar as massas populares para
que não pensem. Pág. 200 – par. 17
Invasão cultural:
Desrespeitando as potencialidades do ser a que
condiciona, a invasão cultural é a penetração que fazem os invasores no
contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão do mundo, enquanto
lhes freiam a criatividade, ao inibirem sua expanção.
Neste sentido, a invasão cultural,
indiscutivelmente alienante, realizada maciamente ou não, é sempre uma
violência ao ser da cultura invadida, que perde sua originalidade ou se vê
ameaçado de perdê-la. Pág. 205 – par. 02 e 03
O que distingue a liderança revolucionária da
elite dominadora não são apenas seus objetivos, mas o seu modo de atuar
distinto. Se atuam igualmente os objetivos se identificam.
Por esta razão é que afirmamos antes ser tão
paradoxal que a elite dominadora problematize as relações homens-mundo aos
oprimidos, quanto o é que a liderança revolucionária não o faça. Pág. 226 –
par. 138 e 139
* elaborado por Márcia
CO-LABORAÇÃO*
... na teoria
dialógica da ação, os sujeitos se encontram para a transformação do mundo em
co-laboração.
Não há,
portanto, na teoria dialógica da ação, um sujeito que domina pela conquista e
um objeto dominado. Em lugar disto, há sujeitos que se encontram para a pronúncia do mundo,
para a sua transformação.
Isto não
significa que, no quefazer dialógico, não haja lugar para a
liderança revolucionária.
Significa,
apenas, que a liderança não é proprietária das massas populares...
A
importância de seu papel, contudo, não lhe dá o direito de comandar as massas
populares, cegamente, para a sua libertação. (Freire, 2011, p. 227).
A
co-laboração, como característica da ação dialógica, que não pode
dar-se a não ser entre sujeitos, ainda que tenham níveis distintos de função,
portanto, de responsabilidade, somente pode realizar-se na comunicação.
O
diálogo, que é sempre comunicação, funda a co-laboração.
A
liderança revolucionária, comprometida com as massas oprimidas, tem um
compromisso com a liberdade. E, precisamente porque o seu compromisso é com as
massas oprimidas, para que se libertem, não podendo conquistá-las, mas
conseguir sua adesão para a libertação.(Freire, 2011, p.228).
... na co-laboração, exigida pela teoria dialógica da
ação, os sujeitos dialógicos se voltam sobre a realidade mediatizadora que,
problematizada, os desafia.
Problematizar,
porém, não é sloganizar, é exercer uma
análise crítica sobre a realidade problema.
...a teoria dialógica exige
o desvelamento do mundo.
...sua demitificação.
...ninguém desvela o
mundo ao outro ...é preciso que estes se tornem sujeitos do ato de
desvelar. (Freire, 2011, p. 229).
A
confiança das massas na liderança implica a confiança que esta tenha nelas.
A
liderança há de confiar nas potencialidades das massas a quem não pode tratar
como objetos de sua ação. Há de confiar em que elas são capazes de se empenhar na
busca de sua libertação, mas há de desconfiar,...
Desconfiar
dos homens oprimidos, não é, propriamente, desconfiar neles enquanto homens, mas
desconfiar do opressor “hospedado” neles.
Desta
maneira, quando Guevara chama a atenção ao
revolucionário para a ”necessidade de desconfiar sempre - desconfiar do
camponês que adere, do guia que indica os caminhos, desconfiar até de sua
sombra", não esta rompendo a condição fundamental da teoria da ação
dialógica. Está apenas sendo realista. (Freire, 2011, p. 230).
...Guevara enfatiza a
comunhão com o povo como era o momento decisivo para a transformação do que era
uma “decisão espontânea e algo lírica, em uma força de distinto valor e mais
serena”. E explicita que, a partir daquela comunhão,
os camponeses, ainda que não o percebessem, se fizeram “forjadores” de sua
“ideologia revolucionária”.
...foram exatamente
humildade e a sua capacidade de amar que possibilitaram a sua “comunhão” com o
povo. E esta comunhão, indubitavelmente dialógica, se fez co-laboração.(Freire, 2011, p.232).
A comunhão provoca a co-laboração que leva
liderança e massas áquela fusão a que se refere o grande líder recentemente
desaparecido. Fusão que só existe se a ação revolucionária é realmente humana, por isto,
simpática, amorosa, comunicante, humilde, para ser libertadora.
A
revolução é biófila, é criadora de
vida, ainda que, para criá-la, seja obrigada a deter vidas que proíbem a vida. (Freire, 2011, p. 232).
Unir para a libertação
...a liderança se obriga ao
esforço incansável da união dos oprimidos entre si, e deles com ela, para a
libertação.(Freire, 2011, p.234).
O
problema central que se tem nesta, como em qualquer das categorias da ação dialógica, é que nenhuma
delas se dá fora da práxis.
...Enquanto
que, para a elite dominadora, a sua unidade interna, que lhe reforça e organiza
o poder, implica a divisão das massas populares, para a liderança
revolucionária, a sua unidade só existe na unidade das massas entre si e com
ela. (Freire, 2011, p. 235).
O
objetivo da ação dialógica está,... em proporcionar que os oprimidos, reconhecendo o porque e o como de
sua “aderência”, exerçam um ato de adesão a práxis verdadeira de transformação
da realidade injusta.
Significando
a união dos oprimidos, a relação solidária entre eles não importam os níveis
reais em que se encontrem como oprimidos, implica também,
indiscutivelmente, consciência de classe. (Freire, 2011, p.
237).
A união dos oprimidos é um quefazer que se dá no domínio do
humano e não no das coisas.(Freire, 2011, p238).
Para que
os oprimidos se unam entre si, é preciso que cortem o cordão umbilical, de caráter
mágico e mítico, através do qual se encontram ligados ao mundo da opressão.
Esta é a
razão por que, realmente indispensável ao processo revolucionário, a união dos
oprimidos exige deste processo que ela seja, desde seu começo, o que deve ser:
ação cultural.
Ação
cultural, cuja prática para conseguir a unidade dos oprimidos vai depender da
experiência história e existencial que eles estejam tendo, nesta ou naquela
estrutura.
As formas
de ação cultural, em situações distintas como estas,
têm, contudo, o mesmo objetivo: aclarar aos
oprimidos a situação objetiva em que estão, que é mediatizadora entre eles e os opressores, visível ou não. (Freire, 2011, p.
239).
Organização
A
organização não apenas está diretamente ligada á sua unidade, mas é um
desdobramento natural desta unidade das massas populares.(Freire, 2100, p.240).
O
testemunho, na teoria dialógica da ação, é uma das conotações principais do
caráter cultural e pedagógico da revolução.
Todo
testemunho autentico, por isto crítico, implica ousadia de correr riscos – um
deles, o de nem sempre a liderança conseguir de imediato, das massas populares,
a adesão esperada. (Freire, 2011, p. 241).
...É que, na medida em
que o testemunho não é um gesto no ar, mas uma ação, um enfrentamento, com o
mundo e com os homens, não é estático. É algo dinâmico, que passa a fazer parte da
totalidade do contexto da sociedade em que se deu.
...Assim como, na ação anti-dialógica,
a manipulação serve à conquista, na dialógica, o testemunho, ousado e amoroso,
serve à organização. Esta, por sua vez, não apenas está ligada à união das
massas populares como é um desdobramento natural desta união.
Por isto é que
afirmamos: ao buscar a união, a liderança já busca, igualmente, a organização
das massas populares.9Freire, 2011, p.242).
É
verdade que, sem liderança, sem disciplina, sem ordem, sem decisão, sem
objetivos, sem tarefas e cumprir e contas a prestar, não há organização
e, sem esta, se dilui a ação revolucionária. Nada disso, contudo, justifica o
manejo das massas populares, a sua “coisificação”. (Freire, 2011, p.
243).
A teoria
dialógica da ação nega o autoritarismo como nega a licenciosidade. E, ao
fazê-lo, afirma a autoridade e a liberdade.
Reconhece
que, se não há liberdade sem autoridade, não há também esta sem aquela.(Freire,
2011, p.244).
Na
teoria da ação dialógica, portanto, a organização, implicando autoridade, não
pode ser autoritária; implicando liberdade, não pode ser licenciosa.
Síntese Cultural
A ação
cultural ou está a serviço da dominação – consciente ou inconscientemente por parte de
seus agentes – ou está a serviço de libertação dos homens. (Freire, 2011, p.
245).
O que
pretende a ação cultural dialógica,...ão pode ser o desaparecimento da dialeticidade permanência-mudança ( o que seria
impossível, pois que tal desaparecimento implicaria o desaparecimento da estrutura
social mesma e o desta, no dos homens) mas superar as contradições antagônicas
de que resulte a libertação dos homens.(Freire, 2011, p.246).
...Na síntese cultural, onde não há
expectadores, a realidade a ser transformada para a libertação
dos homens é a incidência da ação dos atores.
Isto
implica que a síntese cultura é a modalidade de ação com que, culturalmente, se
fará frente à força da própria cultura, enquanto mantenedora das estruturas em
que se forma. (Freire,2011, p. 247).
Neste
sentido é que toda revolução, se autentica, tem de ser também revolução
cultural.
A
investigação dos temas geradores ou da temática significativa do povo, tendo
como objetivo fundamental a captação dos seus temas básicos, só a partir de
cujo conhecimento é possível a organização do conteúdo programático para
qualquer ação com ele, se instaura como ponto de partida do processo da ação,
como síntese cultural.
Daí que
seja possível dividir, em dois, os momentos deste processo: o da investigação
temática e o da ação como síntese cultural.
Deste
modo, esta separação ingênua significaria que a ação, como síntese, partiria da
ação como invasão.(Freire, 2011, p.248).
Como, na
síntese cultural, não há invasores, não há modelos impostos, os atores, fazendo
da realidade do objeto de sua análise crítica, jamais dicotomizada da ação, se
vão inserindo no processo histórico, como sujeitos.
A
síntese cultural não nega as diferenças entre uma visão e outra, pelo
contrário, se funda nelas. O que ele nega é a invasão de uma pela outra. O que
ela afirma é o indiscutível subsídio que uma dá à outra. (Freire, 2011, p.
249).
Todo o
nosso esforço neste ensaio foi falar desta coisa óbvia: assim como o opressor,
para oprimir, precisa de uma teoria da ação opressora, os oprimidos, para se
libertarem, igualmente necessitam de uma teoria de ação.
O
opressor elabora a teoria de sua ação necessariamente sem o povo, pois que é
contra ele.
O povo,
por sua vez, enquanto esmagado e oprimido, introjetando o opressor,
não pode, sozinho, constituir a teoria de sua ação libertadora. Somente no
encontro dele com a liderança revolucionária, na comunhão de ambos, na práxis de ambos, é que esta
teoria se faz e se re-faz. (Freire, 2011,
p.252).
*elaborado por Janir Colombari
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